ADVENTO

Em toda a história bíblica, os profetas sempre foram figuras de primeira importância. Homens possuídos por Deus, inovadores éticos e morais, suas visões configuraram decisivamente a vivência e a reflexão religiosa posterior, tanto judia quanto cristã.

A compreensão da profecia bíblica hoje tende a rejeitar o lugar-comum que considera o profeta um adivinho do futuro, para vinculá-lo bem fortemente ao presente. Assim, foi com os profetas de Israel, assim é com os profetas atuais, O fenômeno da profecia é feito de uma experiência de Deus que impulsiona um ser humano a enfrentar todos os perigos, a fim de comunicar uma mensagem divina. É, portanto, inseparável da consciência que tal mensageiro tem das características de seu tempo e de seu espaço.

Os profetas só podem ser entendidos quando a relação dinâmica entre eles e a sociedade onde vivem é plenamente compreendida e levada em conta.

Assim, cada profeta é diferente, pois cada um responde a uma determinada situação na qual Deus o chama a abrir a boca e falar em Seu Nome.

Neste tempo do Advento, a figura profética de João Batista é posta pela Igreja diante de nossos olhos. Sua pessoa dá testemunho de um aspecto essencial na vida humana: o amor e a luta pela verdade acima de tudo. Coerente e destemido, João não cessa de chamar os homens à conversão, advertindo: "Arrependei-vos e convertei-vos, pois o reino de Deus está próximo".

Sua língua de fogo não permite que o povo se acomode na mediocridade de uma vida que tem secretos compromissos como a iniqüidade. Mas denúncia a condição pecadora de todos, inclusive a sua própria, e diz não haver outro caminho senão a total verdade e transparência na busca da vontade de Deus.

Neste tempo do advento, vamos vê-lo e ouvi-lo fazendo acontecer a profecia de outro profeta, Isaías, que já anunciava: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. Toda ravina será aterrada, toda montanha e toda colina serão rebaixadas, as passagens tortuosas serão retificadas, os caminhos ásperos serão aplainados, e todos verão a salvação de Deus.

Nada nem ninguém detinha João quando se tratava de aplainar caminhos ásperos e retificar passagens tortuosas. Nem mesmo o poder do rei Herodes. Olhando-o nos olhos, João gritou-lhe a verdade sem concessões: "Não te é lícito ficar com Herodíades, pois é mulher de teu irmão. "A corrupção e a mentira não gostam da transparência. Não aceitam que seus torcidos desvios sejam trazidos à luz. E João perdeu a vida, aplainando com seu sangue a aspereza dos caminhos da maldade e os tortuosos descaminhos da mentira.

Sua palavra e sua vida de profeta prepararam o caminho para que pudesse chegar e ser reconhecido Aquele que permitiria a todos ver a salvação de Deus. Neste Advento, o profeta João Batista pode dar-nos algo de sua coragem, para que, ao mesmo tempo em que celebramos com alegria o Novo que vem, não recuemos diante do compromisso de abrir a boca e dizer a verdade, aplainando os ásperos caminhos da mentira e da corrupção, da injustiça e da violência, do terror e da iniqüidade.

Em suma, das velhas coisas que se recusam a deixar o campo livre para a celebração da verdade e da luz do Natal.

Maria Clara Lucchetti Bingener - teóloga